Em plena pandemia, com o mundo envolvido em incertezas, a Petrobras levou adiante um plano de desinvestimento com a privatização de quatro refinarias e a possibilidade de outras quatro serem vendidas — todas fora do eixo Rio-São Paulo. Passados mais de três anos, os resultados foram aumento de preços e autossuficiência em refino mais distante.
Em novembro de 2021, a Petrobras fechava a venda da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, por US$ 1,65 bilhão (cerca de R$ 8 bilhões), a um fundo de investimentos que pertence à família real dos Emirados Árabes Unidos. Uma auditoria divulgada pela Controladoria-Geral da União (CGU) na última semana revelou que o ativo foi vendido pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por um preço muito inferior ao de mercado: segundo cálculos do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), a unidade valia entre US$ 3 bilhões (R$ 14,5 bilhões) e US$ 4 bilhões (R$ 19,4 bilhões).
Além da Rlam, rebatizada de Mataripe posteriormente, outras três refinarias foram privatizadas no período (Ream, no Amazonas; SIX, no Paraná; e Lubnor, no Ceará), cercadas de polêmicas.
Além de comprometer a autossuficiência no refino do petróleo, o que garantiria ao Brasil atender a toda a demanda interna de gasolina, diesel e GLP (o gás de cozinha), a medida ajudou a aumentar o preço dos combustíveis.
Um dos casos mais emblemáticos é com relação à Reman [a Ream], a única refinaria da região Norte, onde o gás de cozinha chegou a ser vendido 70% mais caro do que era pela Petrobras. Lá, a diferença da gasolina e do diesel também é bem maior quando comparados com a refinaria na Bahia, exemplifica o economista.
Outro prejuízo trazido pela política de desinvestimento foi, a diminuição da coordenação e do poder da Petrobras em garantir o abastecimento e ter independência com relação aos valores praticados.
Com a venda dessas refinarias, a Petrobras diminuiu fortemente o seu poder de mercado. Se antes ela detinha quase toda a estrutura de refino no país, agora ela tem pouco mais de 80% da capacidade de refino.
Quando a Petrobras não tem preços tão elevados quanto o PPI, os preços internacionais, outras refinarias e importadores privados podem chantagear a Petrobras e os governos, para que aumentem o preço.
E foi justamente isso que aconteceu recentemente quando em outubro a Petrobras foi “pressionada” pelo mercado por conta de uma defasagem superior a 20% dos preços praticados no Brasil com relação ao mercado externo. Se antes a Petrobras não tinha problema com isso, não tinha problema com o poder de mercado, ela poderia definir o preço que quisesse e os únicos problemas que ela teria seriam de custo e de receitas. Agora ela tem que lidar com agentes que podem chantagear e gerar desabastecimento nos mercados locais.
Só na Bahia, no fim de dezembro, negociações para a recompra das estruturas pela Petrobras, o custo com elevação dos preços praticados pela empresa privada chegou a quase R$ 1 bilhão em dois anos. Na época foi entregue todo o mercado da segunda maior refinaria do país a uma única empresa privada, que sempre visa o lucro.
Quais são as refinarias da Petrobras?
Após a venda dos quatro ativos, restaram para a Petrobras dez refinarias: Abreu e Lima (Pernambuco); Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Ceará); Duque de Caxias (Rio de Janeiro), Alberto Pasqualini (Rio Grande do Sul), Gabriel Passos (Minas Gerais) e Presidente Getúlio Vargas (Paraná), além de Capuava, Presidente Bernardes, Refinaria de Paulínia e Henrique Lage, todas em São Paulo. E pela primeira vez desde 2014, a companhia atingiu a marca de 97,3% de utilização das estruturas, em setembro do ano passado, o que contribuiu para o “amortecimento da volatilidade de preços do mercado externo”, comemorou à época a estatal.
Aliado a isso, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou, na mesma época, que a empresa brasileira iniciaria negociações para readquirir todas as refinarias privatizadas no governo Bolsonaro. “A Petrobras deve negociar com aquelas refinarias que foram privatizadas para que, dentro das regras de mercado, possa readquirir essas refinarias, a fim de fazer o Brasil um país seguro na questão de suprimento e na questão de melhores preços”, afirmou.
Mesmo com toda essa movimentação, o país que produz quase 1 milhão de barris de petróleo por dia a mais do que a demanda interna necessita ainda não atinge a marca de autossuficiência de refino, aponta o ex-engenheiro da Petrobras.
Em que o Brasil é autossuficiente?
Há mais de 15 anos o Brasil é autossuficiente em petróleo, por conta das descobertas do pré-sal, e essa marca deve ser conquistada sem dificuldades para o refino. Isso por conta da retomada de obras, através do Novo Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, que foram entregues, em 2014, pela metade, além da construção do Polo GasLub Itaboraí, no Rio de Janeiro. São essas duas estruturas que vão aumentar o refino do diesel e o GLP, justamente os que mais demandam importação no Brasil.
Com isso, toda a economia deve ser afetada de forma positiva, já que a cadeia produtiva brasileira está intimamente ligada ao ramal rodoviário, abastecido pelo diesel, argumentou o especialista.
Não somos uma Bélgica, Países Baixos ou Albânia, temos capacidade de produzir petróleo, aumentar o refino e autonomia para que a economia funcione sem elevação de preços e interferências no custo de produção geral. Procurada para comentar o assunto, a Petrobras não se manifestou até o fechamento da reportagem.
Já o Ministério de Minas e Energia informou em nota que o país interrompeu um ciclo de desinvestimentos no parque de refino de petróleo no ano passado, com a retomada da conclusão da RNEST, ampliando a produção de óleo diesel S-10, além de novas unidades de “hidrotratamento da Refinaria de Paulínia (Replan), no Polo Gaslub, bem como adequações na Refinaria Henrique Lage (Revap), [que] vão contribuir com 290 mil barris/dia adicionais”.
Conforme a pasta, foi aprovada uma resolução pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que “estabeleceu como de interesse da Política Energética Nacional que a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) realize estudos sobre a viabilidade técnica e econômica de mecanismos para priorizar o abastecimento nacional de combustíveis derivados de petróleo”.
Plano estratégico retoma investimentos em refino
O novo plano estratégico da Petrobras prevê um aumento na capacidade de refino nacional em 225 mil barris de petróleo por dia até 2028, com um investimento de US$ 14,6 bilhões (R$ 71,13 bilhões).
Então saímos de um plano que previa reduzir [a capacidade de refino] de 1,9 milhão [de barris] para 1,2 milhão para outro que prevê um aumento pequeno, mas importante. A abertura do mercado nesse segmento “não foi tão relevante” como aconteceu na exploração e produção petrolífera.
Fonte: Sputnik Brasil