As mulheres negras enfrentam em seu cotidiano, no mínimo, duas das facetas mais cruéis das desigualdades brasileiras. A soma desses recortes — de gênero e raça — as levam a estar entre os segmentos sociais que precisam superar os maiores obstáculos para terem acesso a direitos, como o de receber salário igual no cumprimento das mesmas funções.
É absurdo, mas é real. No caso específico da remuneração praticada no mercado de trabalho, a intersecção entre machismo e racismo impõe a essa parcela da população a humilhação de, num mesmo cargo, receber menos do que as mulheres não negras, os homens negros e os não negros.
Segundo o primeiro Relatório de Transparência Salarial— elaborado pelos ministérios do Trabalho e Emprego (MTE) e das Mulheres — as negras, além de estarem em menor número no mercado de trabalho (2.987.559 vínculos, 16,9% do total), são as que têm renda mais desigual.
Enquanto a remuneração média da mulher negra é de R$ 3.040,89, correspondendo a 68% da média, a dos homens não-negros é de R$ 5.718,40 — 27,9% superior à média. Além disso, elas ganham 66,7% da remuneração das mulheres não negras.
O documento, lançado nesta semana em cumprimento à Lei 14.611/23 — que dispõe sobre a igualdade salarial entre homens e mulheres — foi elaborado a partir dos dados do eSocial, da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2022 e das informações enviadas por 49.587 empresas com 100 ou mais empregados.
Elas [as mulheres negras] estão sempre abaixo de todos os demais grupos e, em muitas situações, as mulheres brancas recebem salário maior que homens negros. É a realidade sempre encontrada nos nossos resultados.
No plano geral, o levantamento aponta que as mulheres recebem 19,4% a menos do que os homens. Em cargos de dirigentes e gerentes, a diferença chega a 25,2%.
Outro ponto trazido pelo relatório diz respeito às políticas efetivas de incentivo à contratação de mulheres pelas empresas, como flexibilização do regime de trabalho para apoio à parentalidade, entre outros critérios vistos como de incentivo à entrada, permanência e ascensão profissional feminina.
Segundo o documento, 51,6% das empresas possuem planos de cargos e salários; 38,3% adotam políticas para promoção de mulheres a cargos de direção e gerência; 32,6% têm políticas de apoio à contratação de mulheres; e 26,4% adotam incentivos para contratação de mulheres negras.
Não é permitido que alguém ganhe menos porque é mulher. Tendo a mesma competência, a mesma capacidade, não há explicação para que um homem negro ganhe menos que um branco, que a mulher branca ganhe mais que a negra”, apontou o ministro do Trabalho e Emprego.
Levando a análise de gênero e raça para o âmbito do emprego em geral, é importante lembrar que a força de trabalho feminina no Brasil (mulheres com 14 anos ou mais) é de 90,6 milhões, segundo levantamento do Dieese. Desse total, 47,8 milhões estão na força de trabalho e 42,8 milhões estão fora.
Nesse universo, as negras somam 2,9 milhões de desempregadas de um total de 4,4 milhões. Elas também são a maioria das mulheres desalentadas: 1,4 milhão ante 485 mil não negras.
Entre as que estão trabalhando, a taxa de informalidade é de 37,5% e, novamente, as negras são maioria, quase 42%, e as não negras, 32,6%. As que não têm contribuição previdenciária somam 36,2%, das quais as negras são 41%, contra 30% das não negras.
Fonte: Vermelho