200 ENTIDADES PEDEM O FIM DAS ESCOLAS CÍVICO-MILITARES

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Em nome da “desmilitarização da educação e da vida”, uma carta encaminhada na semana passada ao Ministério da Educação pede a revogação imediata do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). O documento, elaborado pela Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação e pela Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação (RePME), conta com a adesão de cerca de 200 entidades.

O Pecim foi criado no governo Jair Bolsonaro (PL) por meio do Decreto Nº 10.004/2019 e propunha a militarização da educação nacional. Segundo o abaixo-assinado, a proposta “viola garantias constitucionais e direitos de crianças, adolescentes e jovens e de profissionais da educação. Por isso, este programa deveria ter sido revogado como uma das primeiras medidas do governo Lula/Alckmin”.

Na visão dos signatários, as escolas militarizadas “não são mais seguras”, além de ampliar as “violações de direitos e violências”. As unidades acumulam “diversas denúncias de situações de assédios moral e sexual e abusos físicos e psicológicos contra estudantes praticada por agentes militares”.

Confira abaixo a íntegra do documento:

Carta da sociedade civil pela desmilitarização da educação e da vida

Ao longo dos últimos anos, durante o processo eleitoral e no período de transição, a sociedade civil reivindicou a urgência da revogação do decreto nº 10.004, de 05 de setembro de 2019, que instituiu o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares (Pecim). A militarização foi uma das raras agendas do governo Bolsonaro para a área da educação, vendida falaciosamente como solução para os principais problemas da educação nacional. Na verdade, a militarização viola garantias constitucionais e direitos de crianças, adolescentes e jovens e de profissionais da educação. Por isso, este programa deveria ter sido revogado como uma das primeiras medidas do governo Lula/Alckmin. Entendemos que sua revogação deve ser parte de um processo mais amplo de desmilitarização da educação e da vida. 

Existem diversas razões para revogar o Pecim:

Por sua natureza disciplinar voltada para a promoção da obediência à hierarquia ancorada em bases militares, a militarização fere princípios constitucionais do ensino, como a liberdade de aprender e ensinar, o pluralismo de ideias, a valorização de profissionais da educação e a gestão democrática (Constituição Federal, art. 206, incisos II, III, V e VI); fere o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade de crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 15, 16 e 18-A); e o respeito à identidade e à diversidade individual e coletiva da juventude (Estatuto da Juventude, art. 2º, inciso VI), entre outras normativas. 

Os programas de militarização, em todos os entes federativos, não estão amparados em nenhuma das diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação inscritas na Lei n. 13.005/2014 (Plano Nacional de Educação), sendo incompatíveis com o preceito constitucional do art. 214 da Constituição, que atribui ao PNE a articulação do sistema nacional de educação.

Militares não são educadores, não estão no rol de profissionais autorizados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (art. 61) a atuar na gestão das escolas ou em qualquer outra função típica dos trabalhadores da educação. A contratação de militares gera disparidades significativas entre os salários de profissionais da educação, dado que oficiais em escolas recebem um salário consideravelmente maior do que professores e outros profissionais. Escolas militarizadas também violam liberdades de expressão, de organização e de associação sindical dos profissionais da educação, aumentando o fenômeno de autocensura e censura de professores.  

As escolas militarizadas não são mais seguras, ampliam violações de direitos e violências; há diversas denúncias de situações de assédios moral e sexual e abusos físicos e psicológicos contra estudantes praticada por agentes militares.

O modelo militarizado não contribui para o desenvolvimento integral dos estudantes, seu preparo para o exercício da cidadania e para a promoção de sua autonomia e emancipação. Ao contrário, a hierarquia rígida e a disciplina inflexível que permeiam esse modelo promovem o silenciamento, a submissão e a obediência acrítica às regras impostas e à autoridade. A padronização dos comportamentos e das aparências também atua num processo de supressão da individualidade em favor de uma homogeneização.

Os programas de militarização ampliam as desigualdades educacionais, introduzindo desigualdades no financiamento internas às redes de educação e mecanismos de exclusão de estudantes em maior vulnerabilidade socioeconômica (inclusive pela cobrança de taxas em algumas das unidades militarizadas e exigências de uniformes próprios das forças militares), com deficiência, com distorção idade-série, dificuldades de aprendizagem e de se adequarem às normas e padrões, além de adolescentes e jovens trabalhadores. Nesse sentido, não é possível afirmar que escolas militarizadas melhorem o desempenho dos estudantes.

Escolas militarizadas reforçam os estereótipos em relação aos papéis masculinos e femininos na sociedade, que limitam a liberdade dos indivíduos, coíbem a expressão da diversidade de gênero e sexualidade e a demonstração de afetos, principalmente de jovens LGBTQIA+. Elas também reproduzem o racismo estrutural e institucional, impõem padrões estéticos baseados na branquitude e violam a liberdade de crença. 

A militarização de escolas se baseia na imposição da ideologia militar da disciplina, da hierarquia e do combate ao inimigo. Em um país construído sobre as bases do autoritarismo, do racismo e do sexismo, que nunca levou a termo um processo de memória, verdade e justiça sobre as violências de Estado, a militarização é um fenômeno que vem incidindo sobre diversas esferas da vida. A militarização de territórios periféricos também constitui uma violação do direito à educação de crianças, adolescentes e jovens, muitas vezes impedidos até de chegar à escola pela presença de agentes armados. Assim, o fim do PECIM deve estar ancorado em um processo amplo de desmilitarização da educação e da vida e de fortalecimento da cultura democrática. Frente às competências da União de coordenação da política nacional de educação e edição de normas gerais para as diretrizes e bases da educação brasileira, definidas no art. 22 da CF 1988 e reiterada pelo STF, além da revogação do decreto nº 10.004, as organizações signatárias desta carta propõem ao governo federal, as seguintes medidas:

– Atuar no âmbito da coordenação federativa e dos programas de indução para o fim dos programas de militarização de escolas públicas, suspensão dos processos de militarização escolar em curso e desmilitarização das escolas militarizadas.

– Convocar o CNE a se manifestar em parecer sobre a incompatibilidade entre os processos de militarização da escola pública e as diretrizes da educação básica do país.

– Provocar a Advocacia-Geral da União (AGU) a construir um novo parecer sobre o assunto, revisando o posicionamento do órgão na ADI 6791, assinado pelo Ex-Advogado-Geral André Mendonça, em ação contra a Lei 20.338/2020, que institui o Programa Colégios Cívico-Militares do Paraná.

– Fortalecer  a gestão e educação democráticas para a garantia de:  a)  autonomia docente no seu fazer pedagógico; b) fim da perseguição às professoras e professores no exercício do seu ofício; c) autonomia dos e das estudantes e suas formas de existir e se organizar.

– Elaborar políticas públicas nas áreas da convivência e gestão democráticas na escola que promovam a formação para a cidadania ativa na construção de uma sociedade justa e pluralista, prevenindo e enfrentando práticas discriminatórias e violências distintas, atuando de forma construtiva e dialógica frente aos problemas de convivência e conflitos, melhorando a qualidade do clima escolar, ampliando e fortalecendo os espaços de diálogo e participação para todos e todas na comunidade escolar.

– Retomar os planos e programas para a educação em direitos humanos.

– Mobilizar campanhas de estímulo à mudança de nomes de escolas públicas vinculadas a personagens históricos das ditaduras militares e da colonização violenta do país.

– Propor medidas de justiça de transição para superação do legado autoritário do Brasil, com responsabilização dos responsáveis civis e militares por violações de direitos humanos e proteção a crianças, adolescentes e jovens e a docentes que sofrem com perseguições políticas promovidas por grupos ultraconservadores.

– Planejar e executar medidas efetivas para o desencarceramento e para o combate ao genocídio da juventude negra e periférica, com reparações a vítimas e suas famílias. 

Com a certeza de que a desmilitarização da educação é etapa fundamental para aprimorar o processo democrático brasileiro, reafirmamos a necessidade urgente de revogar o Pecim e seu arcabouço legal, bem como o desenvolvimento da agenda proposta. 

Subscrevemo-nos com saudações democráticas! 

– Articulação contra o Ultraconservadorismo na Educação

– Rede Nacional de Pesquisa sobre Militarização da Educação – RePME

Fonte: vermelho

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