BRASIL RESGATA MAIOR NÚMERO DE TRABALHO ESCRAVO DA ÚLTIMA DÉCADA

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Em meio à luta contra uma chaga secular, o Brasil resgatou, de janeiro até outubro deste ano, o maior número de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão dos últimos dez anos, num total de 2.592 pessoas, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego. Os dados demonstram que, em pleno século 21, parte da população ainda é vítima desse tipo de crime, naturalizado pela tradição escravocrata brasileira. Por outro lado, apontam para um aumento nas operações de combate, fundamentais para pôr fim a essa vergonhosa marca.

“Este número sinaliza à sociedade brasileira que o trabalho escravo contemporâneo ainda é um problema importante no Brasil e que, por outro lado, o governo federal vem atuando de forma muito intensa e firme no combate a esse crime com um trabalho que vem mostrando resultados claros para a sociedade”, disse Matheus Viana, chefe da Divisão de  Fiscalização e Combate ao Trabalho Escravo do Ministério do Trabalho e Emprego.

Os dados acumulados desde 1995 mostram o quanto ao país ainda precisa avançar para garantir dignidade a toda a classe trabalhadora e erradicar definitivamente a “escravidão moderna”. Desde aquele ano até hoje, 61.711 pessoas foram encontradas nessas condições pela Inspeção do Trabalho. Nesse universo, os três municípios com o maior número de autos de infração registrados foram São Felix do Xingu (1.170), São Paulo (1.018) e Marabá (575). Nos últimos 10 anos, 85% dos trabalhadores resgatados eram do campo, com destaque para as culturas de café e cana de açúcar.

Segundo os dados de 2022, quando foram encontradas 2.587 pessoas exercendo trabalho análogo à escravidão, a grande maioria, 92%, era de homens. Destes, 83% se autodeclararam negros ou pardos, 15% brancos e 2% indígenas. Além disso, 51% residiam na região Nordeste e outros 58% eram naturais dessa região. O aumento da fome e da pobreza nos últimos anos contribuiu diretamente para a piora no quadro.

Trabalho doméstico

No Brasil, segundo dados do Dieese, em 2021 existiam cerca de seis milhões de pessoas exercendo o trabalho doméstico, das quais 91% são mulheres e 65% negras. Entre 2021 e 2022, uma em cada quatro não tinha carteira assinada, apesar de haver lei garantindo esse direito. Neste universo encontra-se o trabalho escravo doméstico.

Matheus Viana chama atenção para o crescimento nas ocorrências desse tipo de exploração. Ele argumenta que este é “um fenômeno que vem aumentando bastante nos últimos anos”, apesar de ser numericamente menor em termos absolutos — no ano passado, foram registrados 31 casos. Isso pode ter relação com diversos fatores, entre eles o fato de que numa ação de combate ao trabalho escravo doméstico, geralmente resgata-se uma trabalhadora.

Além disso, o tratamento dado às trabalhadoras domésticas muitas vezes não é visto como uma condição análoga à escravidão, o que dificulta a denúncia inclusive por parte delas. Ainda compõe esse ambiente de exploração velada as relações supostamente familiares que se desenvolvem entre o patrão e a trabalhadora. “Temos que chegar ao ponto de acharmos inaceitável o trabalho escravo doméstico e, mais ainda, a exploração do homem pelo homem. Essa é a minha esperança”, disse o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania,  Silvio Almeida, durante lançamento, em abril, de campanha contra esse tipo de exploração que, entre outras ferramentas, disponibiliza o Disque 100 para denúncias.

Ao Jornal da USP, a professora Vera Lúcia Navarro, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP/USP), destacou que “a história dos trabalhadores brasileiros está marcada por esse tipo de situação, o País não rompeu com o seu passado escravocrata. Debater esse tema é importantíssimo.”

Enfrentamento

O enfrentamento à degradação do trabalho tem sido um dos pontos centrais do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Entre outras iniciativas, no final de setembro, os presidentes do Brasil e dos EUA, Joe Biden, lançaram um manifesto intitulado “Coalizão Global pelo Trabalho”, resultante de uma parceria inédita para promover a dignidade da classe trabalhadora.

O documento elenca cinco desafios urgentes a serem enfrentados. De maneira resumida, estes pontos destacam a necessidade de proteger os direitos dos trabalhadores, conforme as convenções OIT, oferecendo capacitação e acabando com a exploração, incluindo os trabalhos forçados e infantil; promover o trabalho seguro, saudável e decente; promover abordagens centradas nos trabalhadores para as transições digitais e de energia limpa; aproveitar a tecnologia para o benefício de todos e combater a discriminação no local de trabalho, especialmente para mulheres, pessoas LGBTQI e grupos raciais e étnicos marginalizados.

Para o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, “nossa missão não é simplesmente resgatar trabalhadores em condição análoga à escravidão ou da exploração de mão de obra de trabalho infantil. Nossa missão é anterior a isso, é evitar que aconteça. Mas isso não acabará se a sociedade não se envolver. Se não conseguirmos convencer o empresariado a fazer diferente”.

Marinho completou salientando: “nós desejamos ser um país moderno, um país que produz direitos com garantias. E não se tem garantias degradando a condição de trabalho. O ambiente hostil do trabalho leva à doença mental, acidente, infelicidade, absenteísmo brutal. Um ambiente acolhedor evita esse conjunto de questões”.

Fonte: Vermelho

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