60 ANOS DO GOLPE MILITAR: RELEMBRAR, PARA QUE NUNCA MAIS SE REPITA

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A primeira pergunta que devemos fazer-nos quando examinamos os 21 anos do regime militar no Brasil é por que rememorar? Por óbvio, para educar as antigas e as novas gerações sobre o que ocorreu nesse triste período da nossa história, para evitar a sua repetição. Mas como evitar? Só há um caminho: removendo suas causas de fundo – o sistema social excludente e injusto que existe em nosso país, o autoritarismo e o militarismo.

Para isso é preciso apontar os crimes da ditadura, mas – ainda mais importante – identificar os seus verdadeiros mandantes. Pois o regime militar não foi criação de “homens maus”. Foi criação de um sistema de exploração em crise que, para manter-se, precisou assumir uma forma totalitária e repressiva. Expressão disso é a participação de prestigiadas multinacionais e proeminentes líderes empresariais no financiamento e na sustentação da ditadura e de seus aparelhos de repressão e tortura – como a Operação Bandeirantes. Sistema econômico e social que, enquanto não for superado definitivamente, gerará novos monstros.

Denunciar as atrocidades do regime militar é necessário. Mas, mais necessário ainda, é resgatar a resistência do nosso povo – em especial da juventude brasileira – e mostrar o seu papel na derrota da ditadura.

Tenho pena dos “arrependidos”, dos que renegam a luta contra o regime militar – em nome de erros reais ou fictícios. Nós, que participamos de forma ativa, desde o início, dessa resistência, devemos orgulhar-nos de tê-lo feito.

No dia 9 de abril, o AI-1 suspendeu as garantias constitucionais por seis meses, estabeleceu eleições indiretas para presidência da República e deu ao presidente indicado pelo “Comando Revolucionário” o poder de decretar o Estado de Sítio. Foram suspensos os direitos políticos, por dez anos, de 378 pessoas – incluídos três ex-presidentes, seis governadores, quatro ministros do STF, dois senadores, 63 deputados federais, 300 deputados estaduais, inúmeros juízes e desembargadores.

Milhares de opositores ao regime foram presos e torturados. Diversos foram assassinados ou “desaparecidos”. Cinco mil Inquéritos Policiais-Militares foram instaurados, envolvendo 40 mil pessoas. Ao longo do tempo, foram indiciadas, com base na Lei de Segurança Nacional, 13.752 pessoas, das quais 7.367 foram levadas ao banco dos réus. Dezenas de milhares tiveram que exilar-se ou entrar na clandestinidade. Dez mil funcionários públicos foram demitidos. O expurgo nas Forças Armadas atingiu 112 oficiais, dois mil marinheiros e 800 outros integrantes das três armas.

Houve a intervenção em 452 sindicatos, 43 federações e três confederações. A Central Geral dos Trabalhadores (CGT), o Pacto da Unidade de Ação (PUA) e as intersindicais foram todas fechadas e proibidas. Inúmeras lideranças sindicais foram demitidas e presas.

A União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Brasileira dos Estudantes Secundários (UBES) tiveram a sua sede, na Praia do Flamengo, incendiada, e foram proibidas. Seus dirigentes, perseguidos e caçados pelos órgãos de repressão. O mesmo ocorreu com as ligas camponesas e suas lideranças.

Para não deixar dúvidas sobre seus propósitos, os generais – que já haviam destituído o presidente legitimamente eleito pelo povo e rasgado a Constituição – revogaram de imediato a Lei de Remessa de Lucros, diminuíram de 30% para 15% os impostos sobre as mesmas e assinaram um “Acordo de Garantia de Investimentos” com os Estados Unidos, obrigando o Brasil a pagar quaisquer danos às empresas norte-americanas instaladas no país. Os decretos de João Goulart relativos à Reforma Agrária e à desapropriação das refinarias privadas foram anulados. As jazidas de ferro, cujas concessões haviam sido canceladas, foram devolvidas à Hanna Corporation, que ainda recebeu um porto no estado do Espírito Santo.

Montagem do estado militar e institucionalização da repressão

Conscientes de que, após os primeiros momentos de repressão, era preciso institucionalizá-la, tornando-a “legal”, os militares e civis golpistas trataram de criar todo um arcabouço teórico, jurídico e institucional para a perenização da ditadura.

  1. TEORIA DA SEGURANÇA NACIONAL: inicialmente, fizeram da “Teoria da Segurança Nacional”, formulada pela Escola Superior de Guerra, a teoria do Estado brasileiro, tendo por centro quatro ideias básicas: 1) O mundo encontrava-se dividido em dois blocos – o soviético e o norte-americano – e era necessário o alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos; 2) A democracia civil era demasiado frágil para os desafios que se punham diante dela; 3) O papel das Forças Armadas era o de enfrentar os inimigos internos, mais do que os externos; 4) O fortalecimento do Poder Nacional dependia da modernização do latifúndio, da formação de fortes grupos monopolistas nacionais e de sua aliança com as potências ocidentais. Concepções que norteiam todo o período do regime militar.
  2. MILITARIZAÇÃO DO PODER: houve uma hipertrofia e militarização do poder Executivo; além do general-presidente, foram criados seis ministérios militares e o Conselho de Segurança Nacional. Inúmeros outros ministérios passaram a ser ocupados por militares e 18 mil oficiais – da reserva ou da ativa – passaram a ocupar cargos remunerados na administração direta, empresas estatais, autarquias, empresas mistas ou grupos privados. Toda e qualquer autonomia dos estados e municípios foi eliminada, e se impôs a mais profunda centralização econômica na União.

     III. EXPANSÃO DAS FORÇAS ARMADAS E MUDANÇA DE SEUS OBJETIVOS: estas tiveram um aumento de 160%, passando de 114 mil para mais de 300 mil homens. As polícias estaduais foram militarizadas e colocadas sob o comando do Exército. A prioridade absoluta das Forças Armadas passou a ser a “segurança interna” (apenas 6% do currículo da ESG tratava da defesa das fronteiras nacionais).

  1. MONTAGEM DA MÁQUINA DE ESPIONAGEM E REPRESSÃO: o primeiro passo foi a criação do Sistema Nacional de Informações (SNI) – transformado em 1974 em Ministério –, que chegou a ter à sua disposição 300 mil informantes e um milhão de colaboradores. Chegou a “fichar” 250 mil cidadãos. Em cada ministério foi criada uma Divisão de Segurança e Informações (DSI), e em todos os órgãos governamentais, autarquias e empresas públicas foi criada uma Assessoria de Segurança e Informações (ASI). Após transformar os antigos Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS) em centros de repressão e tortura dos opositores ao regime, este fortaleceu ou criou inúmeros serviços de segurança e centros de repressão e tortura – como o CIE, E-2, CISA, A-2, CENIMAR, M-2, DOI-CODI, S-2 das PMs, entre outros. A “Operação Bandeirantes” – financiada por grandes empresas, como o grupo ULTRA, a Ford e a GM – notabilizou-se como o mais terrível centro clandestino de torturas do país.
  2. MONTAGEM DA ESTRUTURA “LEGAL” DA DITADURA: foram extintos todos os partidos existentes e permitida a criação de apenas dois: a Aliança Renovadora Nacional (ARENA) – com os apoiadores do regime militar – e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) – a oposição consentida. As eleições para presidência da República e para os governos dos estados passaram a ser indiretas. Os prefeitos de capitais, de municípios considerados de segurança nacional e com estações hidrominerais passaram a ser nomeados. Foi criada a figura da “sub legenda” partidária – cujos votos se somavam para efeito do quociente partidário –, com o claro intuito de abrigar na ARENA as distintas facções rivais que apoiavam o regime. A Constituição de 1946 foi substituída pela “constituição outorgada” de 1967, seguida pelas leis de “Segurança Nacional”, de “Imprensa”, “Antigreve”, etc.
  3. CASTRAÇÃO DO LEGISLATIVO: além da ameaça permanente de cassação do mandato dos parlamentares – o que foi feito em diversas ocasiões – e do fechamento do Congresso e das Assembleias Legislativas a qualquer momento – o que aconteceu por quatro vezes –, os legislativos foram privados de várias atribuições, entre elas a de modificar o orçamento proposto, e tiveram suas CPIs limitadas e restritas ao prédio do Congresso. A criação dos “decretos-lei” e dos “decretos secretos” diminuiu ainda mais o papel dos legislativos.

     VII. SUBORDINAÇÃO DO JUDICIÁRIO: a cassação de inúmeros juízes, o fim da inamovibilidade e vitaliciedade dos juízes, a ampliação do número de membros dos tribunais – para possibilitar ao regime militar a nomeação de juízes da sua confiança –, o julgamento de civis pela Justiça Militar, o permanente desrespeito das normas legais da própria ditadura (84% dos presos eram mantidos incomunicáveis e 12% fora dos prazos legais), fizeram do Judiciário um simulacro em nosso país.

     VIII. USO INDISCRIMINADO DO TERROR CONTRA A OPOSIÇÃO: dezenas de milhares de brasileiros passaram pelas prisões e sofreram torturas; mais de dez mil foram exilados e 128 banidos do país. Quase 500 foram mortos – muitos nas torturas ou com requintes de crueldade, como a degola dos guerrilheiros do Araguaia – ou simplesmente “desapareceram”. Tamanha violência era motivada não só pela busca de “informações”, mas também tinha o objetivo de criar um clima de “terror” que desanimasse qualquer resistência.

A repressão aos movimentos populares

Devido ao seu maior nível de organização e luta – o que se comprovou nas primeiras ações de resistência à ditadura –, os movimentos sindical e estudantil enfrentaram uma ação planejada do governo ditatorial, com o objetivo do seu desmantelamento e da criação, nesse âmbito, de movimentos “pelegos” de apoio ao regime.

Só entre 1964 e 1979, mais de cinco mil trabalhadores foram presos; dez mil foram banidos ou expulsos da vida sindical; ocorreram 1.565 intervenções, dissoluções ou anulação de eleições em entidades sindicais (70% dos sindicatos com mais de cinco mil sócios e 38% dos sindicatos entre mil e cinco mil sócios sofreram intervenção). Até 1971, 30 mil sindicalistas foram treinados pelo ICT e pelo IADESIL – entidades ligadas ao sindicalismo norte-americano – no Brasil e nos Estados Unidos para se contrapor aos “subversivos”.

Nas eleições sindicais passou a ser exigido um “atestado ideológico”, fornecido pelo DOPS, cabendo ao Ministério do Trabalho a aceitação ou não da inscrição das chapas. Foi feito um grande esforço com o objetivo de descaracterizar os sindicatos como órgãos de luta dos trabalhadores e para transformá-los em entidades de caráter assistencialista, voltadas ao atendimento médico e dentário e às atividades de lazer. Por exigência dos capitais estrangeiros, a estabilidade no emprego após dez anos de trabalho – que havia sido essencial para a criação de um movimento sindical forte – foi substituída pelo FGTS.

Através da “Lei Suplicy” foram extintas a União Nacional dos Estudantes, as Uniões Estaduais dos Estudantes, as Federações Universitárias e os Centros Acadêmicos, e criada uma nova estrutura atrelada ao Ministério da Educação – DNE, DEEs, DCEs, DAs. Da mesma forma, foi extinta a União Brasileira de Estudantes Secundaristas e os Grêmios Estudantis foram colocados sob a tutela das direções das escolas. Os estudantes responderam mantendo suas entidades históricas – como a UNE, a UBES – na clandestinidade, ao mesmo tempo em que nos níveis inferiores buscaram colocar as entidades instituídas pela ditadura nas mãos de lideranças legítimas. Diante das crescentes mobilizações estudantis, o governo militar promulgou o Decreto-Lei nº 477, determinando a expulsão dos estudantes envolvidos em atividades “subversivas” e, com o Decreto-Lei nº 464, impôs o “jubilamento” (afastamento definitivo) dos estudantes que tivessem um aproveitamento escolar inferior ao definido, o que, na maior parte das vezes, vitimava aqueles que participavam ativamente das lutas estudantis.

A repressão à intelectualidade e à liberdade de imprensa

A repressão nas universidades não se limitou aos estudantes. Em abril de 1964, o ministro de Educação e Cultura, Flávio Suplicy de Lacerda, instituiu as comissões especiais de investigação sumária, com o objetivo de expurgar das universidades os professores “subversivos”.

Em setembro de 1964, foram dispensados, exonerados ou aposentados 17 professores da UFRGS – entre eles Ernani Maria Fiori, Cláudio Accurso, Temperani Pereira, Luiz Carlos Pinheiro Machado, Demétrio Ribeiro, Edvaldo Paiva, Cibilis da Rocha Viana, Ajadil de Lemos, Ápio Antunes e Antônio de Pádua da Silva.

Em outubro de 1964, os expurgos chegaram à Universidade de Brasília: 15 professores foram sumariamente demitidos. No dia seguinte, 223 professores (90% dos efetivos) demitiram-se em solidariedade aos expurgados.

Em abril de 1969, foram aposentados compulsoriamente três professores da USP, entre eles, Florestan Fernandes. Diante dos protestos da comunidade docente, o próprio Reitor e outros 23 professores foram demitidos.

Os protestos de professores e alunos no Rio Grande do Sul, diante dessas arbitrariedades, levou a uma nova onda de expurgos na UFRGS. Em agosto de 1969, foram aposentados ou exonerados 14 professores, entre os quais Gerd Bornhein, Ernildo Stein, João Carlos Brum Torres, Leônidas Xausa, Joaquim Felizardo e Carlos Fayet. Em outubro do mesmo ano, outros seis professores da UFRGS foram aposentados por terem manifestado solidariedade aos expurgados: Carlos de Britto Velho, Victor de Britto Velho, Carlos Cirne Lima, Dionísio Toledo, Reasylvia Kroeff de Souza e Maria da Glória Bordini. Ainda em 1969, outros quatro professores se demitiram em solidariedade para com os colegas expurgados, entre ele o prof. Antônio Cheuiche, que viria a ser Bispo Auxiliar de Porto Alegre.

Entre tantos renomados intelectuais e artistas perseguidos, presos e/ou exilados pelo regime militar, podemos citar ainda Paulo Freire, Celso Furtado, Josué de Castro, Oscar Niemeyer, Mário Schenberg, José Leite Lopes, Milton Santos, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Edu Lobo, Mário Lago, Dias Gomes e Paulo Gracindo.

Mas não cessaram aí as medidas destinadas a eliminar do ensino e da cultura do país as ideias progressistas. A disciplina de História foi substituída pelas disciplinas de “Educação Moral e Cívica” e “Organização Social e Política Brasileira”, nos moldes do pensamento militarista dominante. As disciplinas de Filosofia e Sociologia foram eliminadas dos currículos escolares, por serem “subversivas”. Os Acordos MEC-USAID e a “reforma universitária” imposta pelo regime militar geraram uma educação acrítica, fragmentada, tecnicista, autoritária e colonizada. O congelamento das vagas nas universidades públicas incentivou a expansão acelerada do ensino privado.

O ataque à cultura e à liberdade de pensamento se expressou, ainda, na censura a cerca de 500 filmes, 450 peças teatrais, 200 livros, 100 revistas, mil letras de músicas, 12 novelas de TV e 20 programas de rádio. À medida que avançava a luta contra a ditadura, os principais jornais do país – mesmo os conservadores – passaram a sofrer censura prévia. A perseguição a jornalistas e a artistas se ampliou, obrigando muitos ao exílio. Alguns foram presos e mortos. Ao mesmo tempo, foi um período de grande difusão da cultura norte-americana no nosso meio e de criação de grandes monopólios nos meios de comunicação – apoiados pelo regime militar – do que a Rede Globo é o maior exemplo. Heranças que a democratização do país e o tempo ainda não apagaram.

As primeiras ações de resistência ao regime militar (1964-1968)

Já em 1964 surgiram as primeiras mobilizações estudantis em defesa de suas entidades e da autonomia universitária, assim como protestos de intelectuais e religiosos progressistas. A derrota do regime militar nas eleições de 1965, no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, levou ao Ato Institucional nº 2, que extinguiu os partidos existentes, instituiu eleições indiretas para a presidência da República e deu poderes ao ditador de plantão para fechar o Congresso a qualquer momento.

As primeiras manifestações de rua contra o regime militar ocorreram em 1965, encabeçadas pelos estudantes – por mais vagas nas universidades públicas, contra o aumento do preço das refeições nos restaurantes universitários, contra os acordos MEC-USAID, contra o Decreto-Lei 477. Em Porto Alegre, a tradicional “Passeata dos Bixos” (calouros) transformou-se em uma criativa manifestação contra o regime militar.

O AI-3, em fevereiro de 1966, impôs eleições indiretas para os governadores e o AI-4 criou o Colégio Eleitoral e os decretos-lei por decurso de prazo, restringiu a autonomia dos estados e delegou ao Congresso mutilado os poderes de Assembleia Constituinte para aprovar a constituição outorgada pelos generais.

Apesar de proibida, a UNE realizou, em julho de 1965, em São Paulo, seu 27º Congresso, que reorganizou a entidade. Em julho de 1966, em Belo Horizonte, realizou o seu 28º Congresso, onde lançou o “Movimento Contra a Ditadura” e marcou para 22 de setembro o “Dia Nacional de Luta contra a Ditadura”. Nessa data, ocorreram grandes manifestações em Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília.

No campo oposicionista, os setores “conciliadores” passaram a defender a não-radicalização da luta e uma aliança com os setores mais “brandos” da ditadura, para combater a “linha dura”. Já os setores mais consequentes propunham a ampliação e a radicalização da luta contra o regime militar. Em março de 1967, Costa e Silva – da “linha dura” – sucedeu Castelo Branco como ditador de plantão.

A partir de 1967, o movimento sindical também começou a dar sinais de reanimação. O “Movimento Intersindical Anti-arrocho” (MIA) realizou diversos atos em defesa dos salários em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em outros estados. As comemorações não-oficiais do 1º de Maio se multiplicaram. Chapas de oposição passaram a disputar a direção dos sindicatos com os pelegos. Ainda em 1967, a UNE realizou o seu 29º Congresso, em São Paulo, articulando as lutas estudantis em todo o país.

Mas o primeiro grande movimento de massas contra a ditadura ocorreu em 1968. Em 28 de março, foi assassinado – em uma manifestação no Rio de Janeiro – o secundarista Edson Luís. As mobilizações estudantis em todo o país, em protesto pela sua morte, culminaram, em junho de 1968, na “Passeata dos Cem Mil” – reunindo estudantes, artistas, intelectuais, religiosos, líderes sindicais e políticos –, em uma grande manifestação contra a ditadura. O 1º de Maio da Praça da Sé, em que as autoridades foram corridas do palanque pelos trabalhadores; as greves metalúrgicas de Osasco/SP e de Contagem/MG; a paralisação dos canavieiros de Pernambuco; tudo isso expressava o crescente isolamento do regime militar. Acuada, a ditadura respondeu com o recrudescimento da repressão e a fascistização do regime. Em outubro de 1968, o 30º Congresso da UNE, em Ibiúna/SP, é descoberto, e 1.240 estudantes são presos pelos órgãos de repressão do regime.

A luta contra o fascismo (1969-1974)

Em 13 de dezembro de 1968, sob o pretexto de que um pronunciamento do deputado Márcio Moreira Alves havia sido desrespeitoso às Forças Armadas, o regime militar editou o AI-5, fechando o Congresso Nacional por tempo indeterminado, além de seis Assembleias Legislativas e dezenas de Câmaras Municipais.

Foram cassados os direitos políticos de 4.877 opositores – entre eles 110 deputados federais, seis senadores, um governador, 161 deputados estaduais, 22 prefeitos, 22 vereadores e três ministros do STF. O AI-7, em fevereiro de 1969, suspendeu as eleições em todos os níveis, em todo o país. A Lei de Segurança Nacional e a Constituição incorporaram a pena de morte, o banimento, a prisão perpétua, a ampliação dos prazos de incomunicabilidade dos presos e a suspensão do habeas corpus. As torturas e os assassinatos generalizaram-se. Em outubro de 1969, Costa e Silva, vítima de uma trombose, foi substituído pelo general Garrastazu Médici.

Com o AI-5 e o recrudescimento da repressão, os espaços institucionais de luta reduziram-se ao mínimo. A oposição legal foi calada. A euforia do milagre econômico, com base no endividamento acelerado, anestesiou momentaneamente amplos setores da população.

Mesmo assim, nas eleições de 1970, 46% dos eleitores protestaram anulando o seu voto, votando em branco ou abstendo-se. Ações armadas urbanas, realizadas por grupos “foquistas”, se multiplicaram, mas, desligadas das massas, acabaram sendo aniquiladas pela repressão.

Em abril de 1972, na confluência dos estados do Pará, Goiás e Maranhão, surgiram as “Forças Guerrilheiras do Araguaia” – após seis anos de preparação –, um processo de guerrilha rural inspirado nas experiências da China e do Vietnã, sob a direção do PCdoB. Depois de três grandes operações militares das Forças Armadas – que mobilizaram mais de 20 mil homens das três armas e utilizaram desde o confinamento das populações civis até a tortura generalizada e a degola –, a guerrilha do Araguaia acabou sendo derrotada, em fins de 1974.

Mas o “milagre econômico” já havia terminado, em consequência da crise da dívida externa e da crise do petróleo. Crescia o isolamento social do regime, cada vez mais sustentado somente na força das armas. A resistência ao regime, ainda que derrotada, não havia sido em vão.

Da “abertura” ao fim do regime militar (1974-1985)

O general Ernesto Geisel, que assumiu em 1974, percebeu o isolamento da ditadura e tentou – através do que chamou de “distensão política” lenta, gradual e segura – ampliar sua base de apoio. Buscava, na verdade, institucionalizar o regime, dando-lhe uma sobrevida.

Nas eleições de 1974, essa “abertura política” sofreu o teste das urnas. Em um clima de relativa liberdade, o MDB e a ARENA apresentaram suas propostas em programas de TV de grande audiência. O MDB obteve 14,5 milhões de votos contra apenas 10,1 milhões da ARENA, elegendo 16 dos 21 senadores e a maioria das Assembleias Legislativas de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Amazonas e Acre.

A partir de então, o avanço da luta contra a ditadura tornou-se irresistível e o regime perdeu o controle da chamada “abertura”. As bandeiras da “Anistia”, da “Constituinte” e do “Fim dos Atos de Exceção” centralizaram a luta. Nem a “Lei Falcão”, nas eleições de 1976, nem o “Pacote de Abril de 1977” – que fechou o Congresso Nacional, cassou inúmeros parlamentares, criou os senadores “biônicos”, aumentou o número de deputados federais dos pequenos estados, cancelou as eleições de governadores e ampliou o mandato presidencial para seis anos – conseguiram detê-la.

Nas eleições de 1978, o MDB fez 18,5 milhões de votos contra 13,6 milhões da ARENA, mas, devido ao “Pacote de Abril”, só elegeu oito senadores, contra 36 da ARENA (incluídos os biônicos). As lutas operárias de 1978 e 1979, a conquista da Anistia em 1979, o aprofundamento da crise econômica da ditadura, as dissensões no seio dos militares, a grande campanha das “DIRETAS JÁ” são alguns dos acontecimentos que culminaram na redemocratização do país em 1985, os quais não tratamos neste ensaio – voltado ao relato dos crimes da ditadura –, por falta de espaço.

Conclusão

O regime militar, que durante 21 anos massacrou o povo brasileiro, ampliou a concentração da terra, incentivou a monopolização da economia, concentrou renda e atrelou o país ao grande capital internacional, foi fruto de um sistema de exploração e de opressão que, enquanto não for definitivamente superado, causará a infelicidade da nação.

O fim da ditadura militar não se deveu à bondade dos generais, ao espírito democrático das nossas elites ou aos conciliadores de sempre. Deveu-se, isso sim, à luta destemida do nosso povo – nas ruas, nas escolas, nos campos, nas fábricas, na cultura e na arte –, em especial da nossa juventude. Os sacrifícios da sua resistência, mesmo quando erraram, não foram em vão!

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