O Supremo Tribunal Federal (STF) formou, ontem (11), maioria favorável à responsabilização das redes sociais por postagens ilegais feitas por usuários. Seis dos 11 ministros que já votaram entendem que o artigo 19 do Marco Civil da Internet, formulado em 2014, já não é suficie100nte para garantir proteção no atual contexto de massificação das plataformas e aumento dos discursos de ódio e desinformação.
Em pauta, estão dois recursos sobre o tema, cujo cerne é estabelecer novos parâmetros que definam até onde vai a responsabilidade dessas empresas, as chamadas “big techs”. Atualmente, o Marco Civil da Internet determina que a remoção de material ofensivo só deve ocorrer mediante ordem judicial prévia.
O intuito da regra, quando do debate e aprovação do MCI, era assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura. No entanto, a escalada nos casos de estímulo à violência, discurso de ódio e notícias falsas nos últimos anos — resultante da ascensão da extrema direita e da própria lógica algorítmica das redes que privilegia postagens de maior engajamento para ampliar seus lucros — provocou novo debate na sociedade.
Na avaliação dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores dos recursos, a exigência de notificação judicial para a retirada de conteúdo ofensivo é inconstitucional.
Já os ministros Luís Roberto Barroso, presidente do STF, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes consideram que a norma é parcialmente inconstitucional. Para eles, a obrigação deve ser mantida em algumas situações específicas, como as que apontam para o cometimento de crimes contra a honra, porque, nesses casos, a retirada da exigência poderia comprometer a proteção à liberdade de expressão.
O único a abrir divergência total foi o ministro André Mendonça. Para ele, a regra atual é constitucional e as plataformas têm legitimidade para defender a liberdade de expressão e o direito de preservar as regras de moderação próprias.
Na sessão desta quarta-feira (11), Zanin destacou que a atual redação não é mais adequada para proteger os direitos fundamentais e impõe aos usuários o ônus de acionar o Judiciário em caso de postagens ofensivas e ilegais. “Essa liberdade de expressão pode estar sendo mal utilizada para atacar o Estado de Direito, a incolumidade física das pessoas, inclusive crianças e adolescentes”, afirmou.
O ministro Gilmar Mendes seguiu pelo mesmo caminho e defendeu que o artigo 19 do MCI representa um véu de irresponsabilidade para plataformas digitais que, mesmo sendo informadas da ocorrência de crimes, não podem ser responsabilizadas pelos danos gerados por manter esse conteúdo no ar, a não ser que haja ordem judicial.
Andamento do processo
Após a formação da maioria, o julgamento foi suspenso, sendo retomado nesta quinta-feira (12), quando os demais ministros votarão, iniciando por Edson Fachin.
A análise do caso havia sido retomada no dia 4 de junho, após ter sido suspensa em dezembro de 2024, depois de proferidos os votos dos ministros Dias Toffoli e Luiz Fux.
Num dos processos em pauta, relatado por Dias Toffoli, o Facebook questiona decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que determinou a exclusão de um perfil falso da rede social.
O outro, sob relatoria do ministro Luiz Fux, o Google contesta decisão que o responsabilizou por não excluir do Orkut uma comunidade criada para ofender uma pessoa e determinou o pagamento de danos morais.
Omissão do Congresso
Relator do projeto de lei que propunha a regulação das redes — e que ficou conhecido como PL das Fake News —, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP) elogiou a postura do Supremo e criticou a inércia da Câmara para legislara sobre o assunto.
“Assistimos, todos os dias, crimes acontecendo na internet, ódio na internet. E qual a resposta do parlamento? Silêncio, omissão. Por isso, o Supremo tomou essa decisão, porque não pode se omitir — se provocado, deve reagir. É certo que nós tenhamos um novo regime de responsabilidade para plataformas digitais. O que é crime na vida real tem que ser crime também na internet”, declarou, no plenário da Casa, nesta quarta (11).
Silva destacou que o MCI de 2014 refletia “ a era romântica da internet. Não se via, naquele momento, nada do que se vê hoje. Se o Congresso Nacional, particularmente a Câmara, é omissa, eu lamento. Felizmente, o Supremo tomou a decisão. Quem sabe agora a gente acorda?”.
Aprovado no Senado, o PL 2630/2020 teve sua tramitação estancada na Câmara em 2024. A votação em plenário foi suspensa pela pressão das big techs e da extrema direita — que não querem manter o ambiente virtual como “terra de ninguém”. Desde então, pouco se avançou nesse debate no Congresso.
Em abril, o governo federal sinalizou que buscaria retomar o tema com mais força junto ao parlamento. Neste sentido, foi noticiado que o Palácio do Planalto trabalha para enviar um projeto ao Congresso ainda neste ano.
Fonte: Vermelho